A “democracia” no Brasil, por mais restrita que seja, está em risco.
Ao contrário do que dizem os órgãos de imprensa golpistas, essa ameaça imediata não é os tresloucados do 8 de janeiro ou políticos de direita. É um conjunto de forças políticas e empresariais cujo instrumento fundamental, neste momento, é o Supremo Tribunal Federal.
Nos últimos anos, vimos a Constituição de 1988 ser atacada, violada e transformada numa casca seca. Esse verdadeiro estupro do nosso parco regime democrático foi encabeçado justamente pelo Judiciário, cuja função seria aplicar a lei.
Como o judiciário está destruindo os direitos democráticos
Juristas e políticos dotados de bom senso mundo afora e ao longo dos séculos avisaram e repetiram: dar a um “Supremo Tribunal” o direito de interpretar a lei e até a Constituição faz com que ele seja o dono da Constituição, que se hoje ele entender que A, na verdade, é B, assim será. O STF brasileiro, desde o chamado julgamento do mensalão, está fazendo exatamente isso.
O caso dos réus do mensalão não é sobre se eles cometeram ou não corrupção, é sobre os métodos usados para condená-los. No julgamento de José Dirceu, a então ministra do STF Rosa Weber declarou: “não tenho provas, mas a literatura jurídica me permite condenar”. A pessoa tem que ser absolvida se “não existir prova suficiente para condenação”. A lei é clara, mas quem interpreta a lei, interpreta o que quer e como quer.
A situação foi agravada pela atuação de Sérgio Moro e a Operação Lava Jato. Onde Moro, ex-assessor de Rosa Weber, e com a anuência do STF, acabou com o devido processo legal.
Durante a Lava Jato, criou-se a figura do investigador-acusador-juiz, como no caso Sérgio Moro. Moro permitia qualquer ilegalidade da Polícia Federal para investigar o que ele achava importante, com objetivo de garantir que o investigado fosse condenado, não visando chegar à verdade. A realidade é que os réus estavam condenados de antemão em todos esses pseudojulgamentos. Ele orientava Deltan Dallagnol a fazer a acusação e como fazer a acusação e, após tudo isso, julgava o mérito do que ele mesmo havia ajudado a produzir, uma farsa judicial repugnante.
Também nasceu da Lava Jato a ideia e o procedimento agora instituído da extorsão e tortura como método de conseguir confissões e delações. Os que delataram o faziam sob pena de receberem penas altíssimas e cantavam a música que a Lava Jato desejava que fosse cantada. Até ameaças contra parentes dos interrogados foram usadas para extorquir confissões de acordo com o que o juiz inquisidor queria. Nada que falavam poderia ser aceito num tribunal minimamente democrático. Finalmente, a Lava Jato (sempre com a anuência do STF) sistematizou aquilo que Joaquim Barbosa havia feito no mensalão: a condenação sem provas, somente com testemunhos sob coação e grave ameaça. O processo da Lava Jato foi uma ação criminosa que deveria levar ao banco dos réus os membros da acusação e os juízes.
Como vemos, a cada assalto aos direitos democráticos, mais a Constituição é ignorada, mais ela se torna letra-morta. Cada atentado é maior, mais descarado e mais destrutivo, e, portanto, pior.
A atuação de Alexandre de Moraes no chamado Inquérito das “fake news”, contudo, levou esta situação crítica a um novo patamar. Moraes criou o inquérito que nunca acaba, o inquérito secreto no qual nem os acusados conseguem saber do que estão sendo acusados.
Neste período, Moraes estabeleceu a censura de publicações de redes sociais e até mesmo de veículos de imprensa. A lei brasileira não permite, desde o fim da ditadura militar, a censura prévia e permanente (ou sem previsão de retorno), ou seja, o fechamento de rede social e/ou veículo de imprensa. Mas o que é a lei perante aqueles que têm o poder de “interpretá-la”?
Mesmo o Marco Civil da Internet, que é restritivo, é taxativo:
“A ordem judicial de que trata o caput [derrubada de conteúdo] deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.”
Além da censura, Moraes chegou, inclusive, a ordenar a prisão de influenciadores pelo crime de pensar e falar o que se pensa. Ou, como o STF apresenta, o crime de “fake news” – que, posteriormente, se tornaria o crime de “ataque às instituições democráticas”. Crimes que só existem no Olimpo do STF. Apesar da lei brasileira exigir o uso do vernáculo para leis, temos aqui o crime fraseado em inglês. Mesmo ignorando isso, não é possível superar o fato do STF ter tornado crime o ato de mentir! O famoso boneco da história infantil italiana só tinha como punição o crescimento de seu nariz de madeira; no Brasil, pessoas são punidas com penas de prisão.
Naturalmente, o novíssimo crime de mentir é punido seletivamente. Se fosse aplicado de forma geral, teríamos que demolir o País e construir prisões: de vendedores de automóvel aos pastores, passando por todos os políticos e até mesmo comerciantes que realizam “promoções” e, se formos ser rigorosos, cônjuges infiéis, juízes, jornalistas da grande imprensa. Todos teriam que cumprir as penas do senhor Moraes.
A operação de censura é tão grande que Moraes pôs na prisão, sem julgamento, um deputado federal, Daniel Silveira, por fazer uma transmissão ao vivo na Internet. A Constituição, nessa altura já traumatizada diante das violações, diz em seu Art. 53: “os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Mas, para o STF, há opiniões e opiniões.
Ao “interpretar” a Constituição, o STF decidiu que, onde está escrito “quaisquer de suas opiniões…”, na verdade, significa: “coisas que têm a ver com o exercício do cargo de parlamentar”. O que seriam essas coisas? Bem, é preciso perguntar aos intérpretes da Constituição.
Simbolicamente, Alexandre de Moraes nasceu no dia em que foi decretado, pela ditadura militar, o Ato Institucional n.º 5. O decreto fechava o Congresso e retirava diversos direitos democráticos, como o de manifestação e expressão. O motivo para isso? O discurso de um parlamentar. Naquele momento, os parlamentares recusaram-se a entregar o seu colega para ser julgado pelo regime.
O regime democrático exige que a polícia investigue com base em evidências concretas. Se ela achar provas de culpa, remete ao procurador para avaliar se a polícia tem razão, ou seja, o trabalho de conter abusos. Depois, o juiz tem o dever de ouvir a procuradoria e a defesa e decidir se há mesmo provas para condenar a pessoa.
O sistema de Moro jogou tudo isso fora e estabeleceu uma unidade da Polícia Federal, procuradores e juízes visando condenar o investigado, independentemente de provas. Mas o juizado de Curitiba é peixe muito pequeno perto das barracudas do STF. Como demonstrado por Glenn Greenwald, Moraes ordenava a autoridade policial ou investigativa a chegar a uma determinada conclusão e, se for o caso, “usar a imaginação” para isso. Depois, orientava o que a procuradoria deveria dizer para, então, decidir sobre aquilo que ele mesmo havia “investigado” e argumentado. Uma farsa de Molière não teria enredo mais cômico.
O réu – talvez seja melhor o uso da palavra “vítima” – é informado do que está acontecendo pela polícia ou pela imprensa, sem nenhum direito de defesa. Se na era Moro a farsa era feita pelo próprio Moro, o procurador Deltan Dallagnol e o chefe da Polícia Federal da época, Leandro Daiello, no caso mais moderno, Alexandre de Moraes decide tudo sozinho, a começar por utilizar o tribunal que não tem jurisdição para julgar uma infinidade de casos diferentes.
Agora que Jair Bolsonaro e seus aliados estão no banco dos réus, vemos ainda mais absurdos. A acusação se sustenta, fundamentalmente, em delação premiada.
No decorrer do processo de delação, o coronel Mauro Cid, principal delator, é ameaçado, em vídeo, pelo ministro Moraes. Moraes exige a correção de “incongruências” e “omissões” sob pena de “retomar as investigações” contra seu pai, esposa e filha! Como o santificado ministro sabe que o delator está omitindo algo, é coisa que nós, meros mortais, não temos como entender. Mas, como se diz, manda quem pode, obedece quem tem juízo.
Lições da ditadura militar de 1964
A ditadura militar de 1964 ensinou valiosas lições ao STF. A maior delas é: não basta prender opositores, é preciso impedir que outros surjam em eleições e colocar todas as instituições do Estado sob o controle da ditadura. Uma ditadura não pode tolerar nenhuma oposição.
As declarações dos golpistas de 64 dão a entender que eles iriam prender e matar os principais opositores e convocar eleições em seguida. Se eles acreditavam nisso, eram ingênuos. Depois, descobriram que isso era inviável.
Os militares permitiram a existência dos partidos após perseguirem os setores mais agressivos da oposição, estabelecendo a pluralidade de partidos até, somente, 1965. Rapidamente, contudo, viram que isso não seria suficiente para manter a ditadura.
Em 1965, com o AI-2, a ditadura extinguiu os partidos, deixando apenas dois, o governo e oposição consentida. Estabeleceu, com isso, que o presidente seria eleito por este congresso domesticado. Como vimos acima, em 1968, com o AI-5, nem isso era suficiente para manter a ditadura. Chegaram ao ponto de fechar o Congresso e colocar todo o poder nas mãos do Executivo – afinal uma ditadura é isso, quem pode manda, obedece quem tem juízo.
Após usar de tanta força, viram que era preciso voltar à fachada democrática. A ditadura chegou a cassar deputados que a atrapalhavam, e até mudar as regras da eleição para mudar quem seria eleito. O caso do Pacote de Abril, em 1977, é instrutivo: a ditadura iria perder a maioria no Senado, portanto, mudaram a regra da eleição e fizeram com que metade das cadeiras do Senado fossem indicadas pela ditadura. Quer dizer, uma das características mais marcantes do regime militar foi a manipulação das eleições para evitar mesmo a mais débil manifestação da vontade popular.
Por que o STF está impondo uma ditadura?
Os partidos do grande capital e do imperialismo, PSDB, PMDB, o antigo DEM etc., foram varridos como alternativa eleitoral nacional. Com a vitória de Lula em 2002, o PT iria ganhar nada menos que quatro eleições seguidas. A partir de 2012, porém, há uma importante mudança na política do imperialismo e dos seus aliados, os grandes capitalistas, para o continente e para o Brasil. Para entender o que está acontecendo hoje, é preciso entender as etapas da crise política do imperialismo mundial.
Etapa 1. Após a Segunda Guerra Mundial, o imperialismo e os grandes capitalistas dos distintos países procuram retomar o controle dos países que haviam escapado da sua dominação direta. É o período dos golpes de Estado (mais de 200) que, no Brasil, culmina com o golpe militar de 1964. Esta etapa dura até 1974.
Etapa 2. A crise mundial capitalista abre-se plenamente em 1974 e seu resultado é a crise dos regimes políticos sustentados pelo imperialismo em todos os lados. O primeiro grande acontecimento é a gigantesca revolução em Portugal que derruba o regime fascista do salazarismo. A partir daí, as ditaduras militares estão condenadas e precisam ser substituídas para evitar a generalização da crise revolucionária. O imperialismo muda, portanto, a sua orientação das ditaduras para os regimes políticos pseudodemocráticos. O importante é que os mesmos interesses continuem por detrás do poder. As novas “democracias” têm como tarefa impor uma violenta política econômica de salvação do capitalismo que será conhecida pelo nome de neoliberalismo.
Etapa 3. O neoliberalismo leva os regimes pseudodemocráticos a uma completa crise. Na América do Sul, movimentos nacionalistas sobem ao poder contra os partidos do imperialismo e do grande capital em praticamente todos os países.
Etapa 4. O imperialismo e o grande capital iniciam uma política de golpe de Estado e de liquidação da “democracia” que, no nosso continente, começa com o golpe de Honduras em 2009. Nesse mesmo momento, começam os preparativos do golpe de Estado no Brasil.
A partir daí, o STF deixa de ser um tribunal para apoderar-se do governo nacional, substituindo tanto o Legislativo, quanto o Executivo.
O Supremo Tribunal Federal segue os passos dos militares de 1964. Primeiro, colocaram na prisão os principais dirigentes petistas, mesmo assim perderam a eleição. Uma vez derrotados, decidiram colocar mais opositores na prisão e “eleger” outro presidente, Michel Temer. Então, convocaram eleições, proibindo Lula de ser candidato. Durante a eleição, mudaram diversas vezes as regras do jogo, proibiram candidatos de usar o nome de Lula, confiscaram material de campanha, cancelaram a candidatura de diversas pessoas, cancelaram o título de eleitor de milhares de brasileiros e, mesmo assim, não conseguiram o que queriam.
A eleição de Jair Bolsonaro também não foi do agrado da ditadura. Por pior que seja, Bolsonaro é dono de sua própria cabeça. Ditadura nenhuma pode aceitar um político eleito que não seja mera marionete do sistema.
Durante o mandato de Bolsonaro, aproveitando-se do medo que a extrema direita causa, o STF se tornou Legislativo e Executivo.
Em 2016, o Supremo decidiu ser legítimo punir servidores públicos que fizessem greves, descontando seus salários. Eles mesmos alegavam existir projeto de lei propondo isso, mas que não havia sido votado. Em 2019, o tribunal decidiu equiparar a homofobia ao crime de racismo. Apesar disso, determinou que as igrejas não poderiam ser punidas, mesmo que a legislação vigente não mencionasse questões sexuais, tampouco garantisse isenção às instituições religiosas. Decidiu, também, que uma pessoa pode ser presa sem sentença penal condenatória transitada em julgado, exatamente o oposto do que diz a Constituição. Em todas as ocasiões citadas, vemos que, se achar necessário, o tribunal faz ele mesmo as leis.
Além de fazer leis, ele também veta leis. Em 2022, o Congresso aprovou uma lei criando o piso nacional para os trabalhadores de enfermagem. O STF decidiu que a lei não era boa e, portanto, acabou com ela.
Não é força de expressão, é literal. O ministro Luis Roberto Barroso disse à época: “o Legislativo aprovou o projeto e o Executivo o sancionou sem cuidarem das providências que viabilizariam a sua execução, como, por exemplo, o aumento da tabela de reembolso do SUS à rede conveniada”. Para os que não são versados no “juridiquês”, o STF disse: isso prejudica os patrões dos hospitais, sem que o governo os pague mais. Isso não é problema do STF, a constituição permite aprovar leis que prejudiquem os patrões, veja o salário mínimo.
O tempo foi passando e eles também adotaram medidas que cabem ao presidente: em 2024, o supremo ordenou a presidência a “fazer mutirão” com as polícias federais e civis estaduais, bem como usar a Força Nacional de Segurança, para intervir em 20 municípios que estavam sendo vítimas de incêndios. Ele até obrigou o governo a apresentar um plano, depois disse que o plano estava incompleto e mandou refazer. O supremo, como vemos, não apenas é superior ao Executivo e ao Legislativo, como efetivamente é o Executivo e o Legislativo para aquilo que conta.
O ataque aos partidos como parte da ditadura do STF
Em paralelo ao ataque às instituições de governo, o STF, através do seu departamento para as eleições, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tem sistematicamente acabado com a liberdade partidária e atacado o processo eleitoral no Brasil, um processo de liquidação tanto dos partidos, como do sistema representativo.
Ao longo dos anos, o TSE saiu da sua função original, de administrar trâmites burocráticos das eleições, para se tornar quase um proprietário dos partidos políticos.
Hoje, o TSE decide o que pode ser considerado uma sede de partido político, em que tipo de zona nas cidades ela tem de ser colocada, estabelece como os partidos têm que funcionar em termos de estruturas de poder, interfere nos estatutos partidários etc. Por exemplo, um partido não pode decidir que não terá diretórios municipais com direções próprias, e que apenas terá direção estadual. Se assim o fizer, terá uma infinidade de problemas nas eleições municipais.
Além disso, os partidos precisam ter, obrigatoriamente, pelo menos três dirigentes destes diretórios – o TSE quer até mesmo decidir quem pode ou não ser presidente destas instâncias partidárias. Estabelece a duração de direções provisórias nos diretórios e até se o partido pode ou não obrigar filiados e políticos eleitos a pagarem contribuições aos partidos.
No que tange à administração financeira dos partidos, a lei foi também violada. O ato de prestar contas era, em origem, um mero ato de informar o que o partido fez com seu dinheiro. O STF/TSE criou o sistema de “aprovar” ou não as contas e aplicar multas caso não goste delas. A vigilância chega ao ponto de o tribunal considerar irregular até determinados pagamentos de funcionários partidários! O tribunal decidiu que qualquer dinheiro que for colocado em contas partidárias é dinheiro público, mesmo aquele que for dado pelos seus filiados. Ao mesmo tempo, estabeleceu um limite para quanto os apoiadores do partido podem doar!
Os partidos são um componente da sociedade civil, ou seja, aquela parte da sociedade que não é o Estado. Para que haja eleições democráticas e para que haja um sistema representativo, os partidos necessariamente têm que ser autônomos e independente do Estado. A infiltração do TSE no sistema partidário equivale, concretamente, a uma estatização dos partidos e do sistema partidário.
A destruição da campanha eleitoral
A lei estabelece que é proibido pedir votos antes do início da campanha eleitoral. O TSE, por sua vez, proibiu, interpretando a lei, qualquer propaganda, definindo: “a propaganda eleitoral ilícita há que ser aquela em que o pré-candidato atua como se candidato fosse, visando influir diretamente na vontade dos eleitores, mediante ações que traduzem um propósito de fixar sua imagem e suas linhas de ação política”. O tribunal decidiu que divulgar as ideias de uma pessoa antes da eleição, mesmo sem pedir voto, é crime!
Mesmo durante a eleição, o TSE decide onde se pode ou não fazer campanha, o que se pode ou não fazer. Decidiu, sem que houvesse lei, que não se pode fazer comícios onde artistas toquem música, por exemplo, além de proibir a paródia de músicas como propaganda eleitoral. A insanidade é tanta que o TSE decide até o tamanho que um adesivo pode ter, até o tamanho de uma placa em um comitê de campanha. É proibido colar cartazes, pendurar faixas, mesmo que na propriedade de pessoas que autorizem.
Como vemos, um tribunal cuja função era apenas de registrar candidatos e outras formalidades da vida partidária e da campanha eleitoral se tornou o dono de ambas as coisas.
O TSE até decide quem pode ou não ser candidato. Se o partido filiar uma pessoa três meses antes da eleição, o partido não pode escolhê-la como candidato. Também absurdo, o partido não pode declarar que a pessoa é filiada, ele tem que “provar”. O partido é considerado culpado até que se prove o contrário. Um candidato, se eleito duas vezes para o cargo executivo, não pode ter um parente eleito em seguida.
Nada disso é obra da lei, é obra do tribunal. Que interpreta conforme seus interesses o código eleitoral que, importante destacar, foi promulgado em 1965 pela ditadura militar.
Perdeu a eleição? Não tem problema, o TSE resolve! Ganhou a eleição? Precisa do aval do TSE
O abuso judicial se estende até aos resultados eleitorais. Após toda a eleição, os sete ministros cassam o mandato de parlamentares eleitos pelo povo – por motivos fúteis, diga-se de passagem. Em 2018, um deputado foi cassado, pois, após a eleição, foi julgado que ele era inelegível. Outro caso é o de Fernando Francisquini (PSL-PR), cassado por “fake news” apesar de já ser parlamentar, de estar protegido pela imunidade parlamentar e do fato de que não existe lei alguma que puna as tais “fake news”. Outros foram cassados por “irregularidades” na prestação de contas, mesmo devido a doações feitas após o fim da campanha eleitoral.
Em todos os casos, dezenas de milhares e, em alguns casos, centenas de milhares elegeram os mandatários e apenas sete juízes jogaram no lixo o voto destes candidatos.
Ainda mais escandaloso é que os votos dos deputados cassados são anulados, ou seja, o partido perde os votos e outros partidos ganharão deputados no lugar do partido do deputado cassado. Um caso verdadeiramente assustador é o da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP). Zambelli está sendo cassada em 2025, com quase três anos de mandato, por “fake news”. Ela teve quase um milhão de votos. Se ela perder o mandato, o voto destes eleitores será jogado no lixo. O partido de Zambelli perderia, além do mandato desta, mais dois deputados federais, eleitos pelos votos que ela trouxe ao partido. Ou seja, o TSE arrogou para si o poder de mudar completamente o resultado eleitoral.
Suprema apenas pode ser a vontade do povo. Um regime político onde um milhão de votos podem ser jogados no lixo pela decisão de sete pessoas é uma ditadura. Esse fato não aceita nenhum “mas”, “porém”, “contudo”, nenhuma relativização.
Outro caso que ganhou muita repercussão no último período foi o de Glauber Braga (PSOL). O deputado está sendo ameaçado de cassação no Congresso por um entrevero com um membro do Movimento Brasil Livre (MBL), um motivo completamente fútil.
Apesar de não estar sendo perseguido pelo STF/TSE, sua possível cassação é resultado direto da destruição, causada por esses tribunais, do regime político. O Judiciário fez com que qualquer parlamentar eleito pelo povo possa ser cassado por absolutamente qualquer coisa. Enquanto o democrático seria o povo decidir se quem ele elegeu deve ou não ser retirado do parlamento.
A ditadura brutal do STF/TSE sobre o País fica ainda mais evidente pela conduta destes tribunais durante as eleições de 2022 e os momentos seguintes. O Partido Liberal (PL), do derrotado Jair Bolsonaro, imediatamente após a eleição, entrou com um pedido no TSE pedindo a anulação de diversos resultados de urna pelo que eles consideraram ser indícios de fraude. Concorde ou não com a afirmação, eles se manifestaram nos autos de um processo jurídico. O TSE não só negou o pedido, como é seu direito, mas cometeu o ato totalmente abusivo de multar em R$22 milhões o partido. O PL foi multado por trazer perante o tribunal um caso para avaliação! Questionar determinadas coisas tornou-se, literalmente, crime!
Ainda no caso dos bolsonaristas, é importante dizer que é flagrante a ilegalidade no processo que tornou o ex-presidente inelegível. Bolsonaro perdeu seus direitos de votar e ser votado pelo simples ato de chamar uma reunião com embaixadores de diversos países e fazer um discurso atacando a maneira como a eleição está sendo conduzida. Algo que ocorreu sem nenhum segredo, foi, inclusive, transmitido pela estatal TV Brasil.
O TSE argumenta que Bolsonaro teria abusado da sua atribuição de presidente ao fazer a reunião com embaixadores, usando o poder público para fazer campanha eleitoral, bem como “espalhado desinformação”. Presidentes discutem assuntos internos com outros presidentes, em viagens e até mesmo com embaixadores. O golpista Michel Temer, por exemplo, discutiu assuntos que iam de questões ambientais até “promoção da democracia” e “combate à corrupção” com diversos chefes de estado e até embaixadores. Não é crime.
Até mesmo o draconiano critério de “propaganda eleitoral antecipada” (a reunião se deu antes da eleição) não se aplica aqui. Afinal, o crime seria criticar o sistema eleitoral, não se promover como candidato. Nos casos dos políticos eleitos da direita que foram presos, cassados ou barrados da vida pública, a motivação sempre foi a “defesa da democracia”, o que já não é novidade para o Brasil. A maioria das atrocidades cometidas aqui são feitas sob coberturas como essa.
Um dos intuitos dessas medidas é impedir as campanhas eleitorais de rua e junto ao povo para que a propaganda eleitoral seja monopolizada pelas redes de TV (Rede Globo). Isso tem acentuado o caráter oligárquico que as eleições assumiram. Toda essa situação acentua-se com a repressão contra as redes sociais e a Internet.
Tudo e qualquer coisa pode e será usada para cassar um candidato (ou um eleito) que desafie o sistema.
Ainda nas duas eleições passadas, cabe destacar as arbitrariedades cometidas pelo Judiciário contra o PCO. Em junho de 2022, Alexandre de Moraes, enquanto ministro do STF, incluiu o Partido no Inquérito das “Fake News”. Ao fazer isso, determinou a suspensão de todas as contas nas redes sociais do PCO, que só teve acesso a seus perfis meses depois das eleições daquele ano.
Ao mesmo tempo, Moraes, dessa vez enquanto presidente do Tribunal Superior Eleitoral, bloqueou a entrega do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para o PCO durante quase todo o primeiro turno das eleições de 2022 de maneira totalmente ilegal. Liberando o dinheiro, um direito do Partido, faltando poucas semanas para o fim da corrida eleitoral.
Em 2024, foi a vez de Cármen Lúcia, presidente do TSE na época, de bloquear o fundo eleitoral do PCO. Apesar da decisão anterior de Moraes, a ministra segurou o FEFC até onde pôde, transferindo o montante faltando míseros 11 dias para o dia da votação. Medidas completamente arbitrárias, sem qualquer respaldo na lei e no devido processo legal, parte de uma perseguição política escancarada contra o Partido.
O caso do PCO: a primeira cassação de partido político em quase 80 anos
Do ponto de vista de um único partido ser colocado na ilegalidade, o Brasil só teve um caso: a cassação do Partido Comunista Brasileiro (PCB) em 1947. Durante a ditadura, tivemos a dissolução de todos os partidos, basicamente uma reformulação do regime político – algo que já havia acontecido diversas vezes na história do Brasil.
A perseguição e o ato de colocar um único partido na ilegalidade, portanto, aconteceu apenas uma vez, mas pode ocorrer novamente, pois o Ministério Público Eleitoral (MPE) pediu a cassação do registro do Partido da Causa Operária (PCO) com base na Lei 9.096/95, sobre a qual discutiremos abaixo.
O Partido está sendo acusado de não ter prestado contas em seis oportunidades, desde o ano de 2005 – isto é, há quase 20 anos! Não bastasse isso, duas dessas seis contas já foram contestadas anteriormente pelo MPE e não foram, na época, consideradas motivo para sanção judicial. Essas contas foram julgadas em 2015 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), quando o tribunal decidiu por não cassar o registro da candidatura do Partido. À época, o procurador eleitoral Humberto Jacques esclareceu que as circunstâncias reveladas no processo “não autorizavam” a sanção tão severa como originalmente solicitada pelo MPE. “É exagerada a colocação da prestação de contas como causa, por si só, quando o assunto for meramente patrimonial, para a extinção de partido político”, disse Jacques.
As outras quatro contas incluídas no novo processo já foram apresentadas pelo Partido. No entanto, há uma jurisprudência estabelecida pelo TSE de que, mesmo que um partido apresente suas contas, elas podem ser julgadas como não prestadas. Isto é, um mecanismo absolutamente arbitrário e antidemocrático.
Na única vez em que um partido foi cassado, o motivo foi político, pois, segundo o TSE, as ideias do PCB não respeitavam a “democracia e os direitos fundamentais do homem”. As acusações contra o PCO, como veremos adiante, são uma verdadeira calúnia contra o Partido – ou “fake news”, como se convencionou falar no tribunal mencionado. Qualquer semelhança não é mera coincidência.
Desmentindo a 1ª calúnia: o PCO apresentou, sim, sua prestação de contas
Os partidos podem ser cassados, de acordo com a lei dos partidos (Lei 9096 de 1995; Artigo 28), por apenas quatro motivos:
I – ter recebido ou estar recebendo recursos financeiros de procedência estrangeira;
II – estar subordinado a entidade ou governo estrangeiros;
III – não ter prestado, nos termos desta Lei, as devidas contas à Justiça Eleitoral;
IV – que mantém organização paramilitar.
As exigências para a prestação de contas são descritas nesta mesma lei, no Artigo 32 e subsequentes:
“Art. 32. O partido está obrigado a enviar, anualmente, à Justiça Eleitoral, o balanço contábil do exercício findo, até o dia 30 de junho do ano seguinte.” “Art. 33. Os balanços devem conter, entre outros, os seguintes itens:
I – discriminação dos valores e destinação dos recursos oriundos do Fundo Partidário;
II – origem e valor das contribuições e doações;
III – despesas de caráter eleitoral, com a especificação e comprovação dos gastos com programas no rádio e televisão, comitês, propaganda, publicações, comícios, e demais atividades de campanha;
IV – discriminação detalhada das receitas e despesas.”
Isso é o que é exigido por lei. Mais ainda, a lei não obriga que as contas sejam consideradas boas ou ruins, se foi bem ou mal gasto o dinheiro. A exigência é de transparência perante o povo brasileiro. Esse é o sistema que vigora até agora no caso das igrejas e dos sindicatos. Estas organizações são obrigadas a prestar contas, mas não há julgamento de mérito das referidas contas. O termo técnico disso é procedimento administrativo.
O TSE, mesmo neste período, abusou de suas atribuições apesar de se tratar de processo administrativo, decidindo percentuais das verbas que teriam que ser gastos em determinadas coisas, aplicando multas sobre prestações que eles “desaprovavam”, entre outras coisas.
Diante dos abusos do TSE, os partidos tentaram agir e legislar (quando ainda era possível fazer tal coisa) para conter o tribunal. Afinal, o procedimento administrativo tem um funcionamento informal, não regrado pelo funcionamento dos processos judiciais, criando complicações para a defesa dos partidos perante o TSE.
Por motivos que só podemos especular quais seriam – talvez ignorância, talvez pressão do próprio Judiciário ou de setores a ele alinhados, ou até má-fé de alguns dos redatores da lei -, a lei aprovada, com o espírito de limitar os poderes do TSE, os aumentou. Para demonstrar o espírito desta lei (LEI Nº 12.034, DE SETEMBRO DE 2009), citamos aqui o Artigo 25:
Parágrafo único. A sanção de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, por desaprovação total ou parcial da prestação de contas do candidato, deverá ser aplicada de forma proporcional e razoável, pelo período de 1 (um) mês a 12 (doze) meses, ou por meio do desconto, do valor a ser repassado, na importância apontada como irregular, não podendo ser aplicada a sanção de suspensão, caso a prestação de contas não seja julgada, pelo juízo ou tribunal competente, após 5 (cinco) anos de sua apresentação.
Como vemos, o tribunal, na visão dos próprios legisladores, agia de forma desproporcional e desprovida de razoabilidade. No entanto, no interior desta lei, eles também estabeleceram que o processo de prestação de contas tinha caráter jurisdicional.
Mal passou a aprovação desta nova lei e o TSE não só continuou seus abusos, como expandiu os ataques contra os partidos. Em 2010, com a Resolução 23.217/2010, apesar da lei não exigir, o TSE criou novas obrigatoriedades na prestação de contas e uma categoria nova: “contas não prestadas”, mesmo se as contas tiverem sido prestadas. Essa categoria, frisamos, não é lei, mas uma decisão interna do TSE.
Se analisarmos somente o número de requisitos, ignorando quais são, veremos o nível da perseguição: o artigo 33 da Lei dos Partidos Políticos de 1995 apresenta quatro requisitos para as contas partidárias. Atualmente, a complexidade dessas contas atingiu um patamar tão grande que a atual resolução (23.607/2019) que trata desse tema prevê, pelo menos, 23 planilhas a serem apresentadas pelo partido, as quais se subdividem em inúmeros subitens, além das contas de sua Fundação Partidária, que também são analisadas pelo TSE.
Há inúmeras determinações sobre como o dinheiro deve ser recebido, qual tipo de documento é aceito e quais não são aceitos, como o dinheiro pode ser gasto, etc. Uma verdadeira floresta de decisões que tornou a prestação de contas uma réplica dos 12 trabalhos de Hércules. Esta monstruosa engrenagem burocrática ensejou a reação de praticamente todos os partidos políticos do País para a aprovação da Lei de Anistia, votada pelo Congresso Nacional, sobre a qual discorreremos mais abaixo.
Uma das principais acusações contra o PCO para justificar a cassação do Partido seria que o Partido teria “deixado de prestar contas”. As contas, porém, foram prestadas, mas foram arbitrariamente consideradas como “não prestadas”. O Judiciário estabeleceu que pode decidir que o partido não prestou contas, mesmo após serem prestadas.
As exigências do TSE para simplesmente reconhecer que foram prestadas contas – não estamos afirmando que isso significa que a prestação de contas será aprovada – são gigantescas e absurdas. O PCO apresentou, mesmo assim, mais de uma vez as contas, em vã tentativa de regularizar esta situação perante o TSE/STF.
Ocorre que, uma vez havendo decisão de “contas não prestadas”, mesmo que o partido regularize toda a documentação (já feito pelo PCO), o TSE exige que sejam pagas as multas e valores decorrentes da condenação de “contas não prestadas”.
Como é do conhecimento dos partidos e das pessoas que atuam nesta área, as condenações do TSE são abusivas. Praticamente não existe prestação de contas aprovada sem alguma exigência de devolução de valores.
No caso da reprovação das contas, as condenações em geral são ainda mais abusivas. Quando se trata de decisão de “contas não prestadas”, eles sequer analisam a documentação apresentada e condenam à devolução de todo o valor recebido com todos os acréscimos possíveis e imagináveis.
Tais arbitrariedades e abusos levaram a dívidas impagáveis para a maioria dos partidos que recebem somas maiores de recursos. No caso do PCO, que enfrenta processo de cassação em função desta situação, é uma situação ainda mais grave.
A armadilha do TSE cria uma situação na qual um partido pode ser cassado por “dívidas”. O tribunal ainda estabelece que você tem que pagar, perder o registro e até ser preso sem investigar o que aconteceu. No tribunal eleitoral, você é culpado até que se prove o contrário.
A ideia de que a prestação de contas só será considerada entregue se você pagar todo o valor movimentado, digna dos devaneios de uma ditadura, é algo que Franz Kafka não teria a imaginação de escrever.
Os partidos, numa tentativa de impedir que as decisões abusivas do TSE criassem uma calamidade na organização partidária e, portanto, no próprio regime representativo, aprovaram a Emenda Constitucional (EC) 133, popularmente chamada de PEC da Anistia.
A (EC) 133, que estabelece o perdão das condenações aos partidos, foi votada por maioria esmagadora. As multas são majoritariamente relativas às prestações de contas. Na EC, a redação estabelece o perdão a essas multas e condenações. O que livraria o PCO do motivo para a cassação.
“Art. 4 – § 1º A imunidade tributária estende-se a todas as sanções de natureza tributária, exceto as previdenciárias, abrangidos a devolução e o recolhimento de valores, inclusive os determinados nos processos de prestação de contas eleitorais e anuais, bem como os juros incidentes, as multas ou as condenações aplicadas por órgãos da administração pública direta e indireta em processos administrativos ou judiciais em trâmite, em execução ou transitados em julgado, e resulta no cancelamento das sanções, na extinção dos processos e no levantamento de inscrições em cadastros de dívida ou inadimplência.”
O TSE, contudo, ignorou a vontade do Congresso, que votou com maioria esmagadora a Emenda. No Senado, chegou-se a obter incríveis 70% dos votos em favor da referida alteração.
O motivo do TSE ignorar a Constituição é ainda mais interessante. O tribunal cita uma decisão de Alexandre de Moraes, de antes da aprovação da PEC, na qual ele declara que as multas de prestações de contas não têm natureza tributária.
A decisão de um único ministro, ainda uma que tenha sido feita antes da Emenda Constitucional, seria “superior” à Constituição!
O deboche com a ideia de regime democrático continua com a segunda decisão do TSE. Após o pedido de anistia do PCO ser recusado, foi pedido, então, o parcelamento das dívidas, numa tentativa de resolver o problema das contas.
O parcelamento havia, também, sido criado na chamada “PEC da Anistia”, mas isso não importa aos ministros. O parcelamento foi negado, conforme o TSE, pois o governo federal não teria “regulamentado” o parcelamento. O cinismo é realmente incrível, o Poder Judiciário, que não respeita nada e nem ninguém, disse que não poderia agir, pois “o executivo não regulamentou”.
Mesmo que assim fosse, o TSE teria que suspender a execução das dívidas e as consequências relacionadas a elas até que o governo federal regulamente a leia. Afinal, na dúvida, e em caso de erro do poder público, não se pode punir o réu.
Conclusão: a ditadura do STF
O que o STF está fazendo com as leis e, paralelamente, o que o TSE está fazendo com os partidos é estabelecer um regime político ditatorial, antidemocrático.
O que pretendem é um regime em que o Estado pode fazer o que achar necessário em defesa de seus interesses, não os do povo.
O STF dirá que faz o que faz em nome da democracia. Contudo, a democracia é a vontade do povo, não do Judiciário. Outro termo usado é o “Estado Democrático de Direito” que, como vemos, não é nem democrático, nem de direito, é só um Estado dominado por uma oligarquia constituída por grandes empresas nacionais e estrangeiras.
A ideia de defesa do Estado, mesmo apelidado de “democrático e de direito”, é uma das ideias fundamentais do nazismo. Os nazistas argumentavam que sua ditadura era o “Estado Constitucional Nacional Socialista do Povo”. E por que seria constitucional? Pois tinha leis. Ou seja, na visão fascista, o papel do Estado é baixar as leis e “resguardar o bem comum e promover o avanço do povo”.
O Estado democrático é o Estado onde o povo decide, faz as leis e controla o que acontece, onde a legislação permite ao povo garantir os seus direitos e decidir, ainda que de modo limitado, os rumos do País. A lei usada à revelia da escolha do povo para defender o bem comum é o fascismo.
No regime atual, em tese, cabe ao Legislativo representar a vontade popular, pois são eles os representantes – em um mundo normal – do povo. A lei deveria ser feita por eles e por eles desfeita, se eles errarem, erraram. O funcionamento normal da democracia é o povo decidir, mesmo se decidir algo que uma camada considere “errado”, ou mesmo que não decida nada por achar que não se deve decidir agora.
Essa definição, a única possível para “democracia”, poderia ser resumida em uma frase: soberania popular. Mas não é isso que pensam os donos da Constituição. Citamos, aqui, um dos 11 ditadores do Brasil, o ministro do STF Dias Toffoli: “às vezes, tudo vai cair no Judiciário porque as instituições que deveriam decidir os temas se omitem. Elas abrem mão de suas decisões e essas decisões precisam ser tomadas no Judiciário…”. Esta ideia é uma usurpação inadmissível.
O papel do Estado já não é fazer a vontade do povo, mas proteger o “bem comum” que eles hoje dão o nome, com o mais absoluto cinismo, de democracia.
Francisco Campos, o jurista da ditadura do Estado Novo, argumentava algo muito similar ao que o STF faz hoje: “criada para legislar [a Câmara de Deputados], a sua função constituiu em congelar as iniciativas de legislação… Ora, a legislação é uma das funções essenciais do governo. Se o órgão incumbido de legislar se demitira da sua função, cumpria substituí-lo urgentemente por outro processo capaz e adequado de legislação”. O STF não fechou o Legislativo, mas se ele “se omitir” ou decidir algo que não é “pelo bem comum”, teremos aí a substituição temporária.
O que fazem com os partidos é uma verdadeira estatização dos partidos. O que isso quer dizer? Quer dizer controlar o povo e, em vez de se curvar a ele, discipliná-lo, supervisioná-lo, pois, se ele decidir os rumos do País sem controle, haverá um grande ataque ao “bem comum” no Brasil. Essa é a maior expressão da mentalidade fascista.
Em nossa defesa, citaremos aqui o voto do relator do processo de cassação do PCB, que mostrou, de forma inequívoca, que quando o Judiciário faz a lei, temos uma ditadura:
O art. 9. Letra g. dá competência ao Tribunal Superior Eleitoral para “expedir as instruções convenientes à execução da lei”; e o art. 144 manda ao Tribunal Superior baixar instruções “para a melhor compreensão da lei, regendo os casos omissos”. Em ambos os casos, as Instruções têm de cingir-se à lei, visando a sua execução e compreensão. Somente nessa última hipótese, cabe às Instruções regular os casos omissos.
A competência do Tribunal Superior encerra no poder regulamentar, que não é estritamente legislativo. A esse nenhum tratadista terá dado maior amplitude do que Dugult, que considera os regulamentos como atos-regras, da mesma natureza material, embora não formal, da lei. Mas, segundo o próprio Dugult, que Rui Barbosa sagrou o maior constitucionalista francês, o uso do poder regulamentar deve ater-se aos preceitos da lei.
O relator, em outro trecho, argumenta:
Mas ainda quando esse fosse expresso ao traçar o limite da competência supletiva do Tribunal Superior, certo é que as omissões a preencher, hão de se encontrar dentro do território da própria lei e não fora de suas fronteiras.
É de direito positivo que o juiz não pode deixar de decidir, por ser omissa a lei, tendo de recorrer, não só aos princípios gerais, como a analogia e aos costumes (Art. 48 da Lei de Introdução ao Código Civil). A faculdade, portanto, conferida ao Tribunal Superior, se identifica com a atribuição confiada ao hermeneuta, aquela como poder regulamentar e essa, como função jurisdicional…
Ora, o papel supletivo da analogia se destina, precisamente, a ampliar a compreensão da lei, destacando de um complexo jurídico, os princípios que o dominam e aplicando-os aos casos onde se apresentam semelhanças de motivos (Clovis Bevilaqua, Th, geral do dir. civ., 2a. edição, págs. 43 e 44).
Savigny recomenda não confundir-se a interpretação análoga com a extensiva, porque essa amplia o sentido da lei, ao passo que aquela supre a sua lacuna (apud Falconi, Regulae Juris, pág. 52). Mas, conforme preleciona Carlos Maximiliano, a analogia, destinada a revelar o silêncio da lei, não é admissível para restringir direitos. (Hermenêutica e Aplic. do dir., 2a. ed. pág.258
Não à cassação do PCO, não à cassação de partidos, candidatos e eleitos, não à ditadura do TSE/STF
A tentativa de cassação do PCO é um atentado contra os direitos democráticos do povo brasileiro e deve ser rejeitada por todos. Não apenas isso, é preciso colocar um fim à máquina de cassações e manipulação dos resultados eleitorais. Os poderes extraordinários do TSE e do STF devem ser restringidos. O que está em jogo aqui é a própria existência de um regime representativo e estes tribunais hipertrofiados são uma ameaça a todos.